LINDAS NOITES DE LUAR

Voltei no tempo de minha vida para poder decifrar um enigma que tanto perturba a minha escola do caminho. Fazenda dos coqueirais. Um episódio marcado a ferro em fogo, do açoite ao pelourinho, dos amores e das paixões secretas.

Mãe Iara, meus irmãos, trabalha nas noites de luar levando amor e esclarecimento da verdade. Foi ela que me levou para esta regressão dentro do meu coração.

Fui deitar. Bateu um sono tão profundo que o corpo físico não aguentava mais ficar acordado. Era mais ou menos meio dia que aquela canseira envolveu a minha consciência. Ao transportar para fora do mundo físico eu já fui encaminhado ao passado desta existência. 1780, anos da escravidão mais acirrada nestas paragens terrenas. Um desafio voltar aquelas origens e ver tudo de novo os enredos das vidas sendo ceifadas pelas vidas.

Neste caso especifico foi de uma sinhazinha que rompendo os elos da sua migração europeia se deixou levar pelos suspiros de uma vida melhor. Não vou poder relatar tudo que se passou, pois é muito difícil falar em detalhes que foram esquecidos nesta grande viagem em direção ao firmamento.

A fazenda era muito grande em extensão territorial e nela os escravos trabalhavam dia após dia na lavoura de cana de açúcar. Não havia tempo para descanso, nem para adorar as suas divindades que foram esquecidas na ponta da chibata. Porém, no período da lua cheia eles se reuniam fora da senzala e faziam o seu luau. Com a fogueira acesa eles riam, choravam, contavam suas aventuras. As moças da senzala circulavam entre eles e a fogueira cantando seus cânticos de angola.

A sinhazinha olhava pela janela da casa grande. Queria estar ali, junto, mas sua cultura não a deixava. Havia um negro escravo que olhava por entre as labaredas da fogueira sua figura na janela. Ali estava nascendo um amor de difícil aceitação, pois o nego velho responsável pela senzala alertava que era perigoso esta aproximação. Pois o velho coronel não aceitaria esta intromissão de um negro na família dele.

O grande luau estava acontecendo e as aproximações foram desempenhando seu papel de morte. A morte rondava a senzala que reluzia pelo fogo da lenha queimando. Os vultos, as sombras, tudo sendo orquestrado pelo acerto de contas.

A sinhazinha fugiu dos seus aposentos e foi ter com os nagôs a sua história. Se envolveu com este escravo e o coronel sentindo falta dela colocou o capataz para correr atrás. Chegando lá deparou com os dois em conversa. Tirou a sinhazinha pelos braços e mandou prender o negro na picota. Ele foi surrado até a morte. A sinhazinha não fez nada para intervir, pois ela sabia que seu pai não permitiria esta afronta. Ela ainda riu da desgraça do escravo.

Ali começou uma jura transcendental. O negro foi um rico senhor em Angola que foi escravizado pela sua cor e comercializado para fora de sua pátria. Ele não se sentia escravo, ele fora escravizado. Tudo isso ficou pendente nesta escola do caminho. Anos se passaram, mas as juras permanecem como sentenças a serem executadas.

Hoje a sinhazinha está reencarnada em outra condição. O negro também veio nesta vida para executar seu destino e cobrar a sua risada, o seu deboche. Eu fico pensando como é certo os reencontros que são acertados nos mundos espirituais. Ninguém escapa de sua relação no episodio que marcam as reencarnações.

O luau continuava mesmo com o negro preso, porque o ancião avisou ao rapaz que ele estava pisando em terra inóspita, terra com dono. Os gemidos de cada chibatada eram ouvidos e esmorecidos pela festa dos negros. Por fim o jovem negro não suportando mais acabou falecendo ali mesmo no tronco. Aquele espirito se levantou dali com tanto ódio que jurou um dia se vingar. A sinhazinha desfez daquele negro como se fosse um animal.

Pela manhã aquele corpo foi jogado em uma vala aberta longe da casa grande. Ali foi sua ultima passagem pela terra naquela era de sofrimento. Uns eram felizes e outros eram infelizes.

Ao ver os quadros que se ligam e não se misturam a gente vê o povo reclamando de suas dificuldades e não se atentam para a dinâmica do carma. Muitas vezes reclamam de suas vidas sem ter motivos para isso. Por isso todos vieram cegos e surdos para pagar seus débitos da forma mais eficaz. Quando alguém paga uma dor sem saber porque está pagando a dor é maior. Por isso do esclarecimento, onde você vai saber o porque da sua dor, aí ela se torna menor.

Evangelizar. Evangelizar os encarnados e os desencarnados. Somente nesta escola do caminho podemos refletir melhor sobre as almas que se perderam em suas juras. Dias atrás eu estava vendo uma mocinha aqui desenvolvendo. Ela tem uma ligação muito forte com Clara de Assis. Ela fora freira no convento que admitia jovens como esposas de Cristo. Esposa de Cristo é somente uma referencia as jovens que desempenhavam o papel de aceitar a redenção como forma de evolução.

Esta jovem ficou muitos anos presas no seu confessionário. Agora ela quer a liberdade que perdeu. Aqui no amanhecer ela terá tudo que perdeu, mas sabendo que tem uma mediunidade para tratar. Se ela não receber o tratamento adequado não vai aguentar a sua própria desilusão. Ela, já naquele tempo havia se envolvido com outra freira, um amor doentio, uma paixão proibida. Fora castigada pela madre superiora sem conhecimento de Clara. Quando clara soube ela foi em socorro da jovem e ela abandonou seu habito e foi viver nas ruas.

As vidas num piscar de tempo.

Eu conto estas passagens para contracenar com as histórias que chegam até aqui na minha escola. A escola do caminho, jaguares, é repleta de imagens marcadas pelo destino. Como é importante conhecer a verdade que nos separa pelas contradições.

Eram 18 horas quando voltei para meu coração. Trouxe tudo registrado no meu espirito para poder ascender a luz da esperança. Um dia vamos fazer nosso luau com muito amor e compreensão. Este dia marcará a presença do céu sobre a terra e a terra estará aberta para o céu. Um dia quando todos estiverem aptos a aceitar a presença de Jesus em espirito e em Verdade.

A sinhazinha vai continuar sofrendo pelo seu amor. Os espinhos serão muito afiados para esclarecer a sua alma. As duvidas serão sempre a sua dor, pois não saberá se está certo ou errado. Falta Deus nestas horas de reflexão.

Eu vivi uma tarde de esclarecimentos dentro daquela senzala. Eu convivi com o velho João e seus ensinamentos. Ouvi os tambores de angola ressoando pelas mãos de José. Estavam avisando e convidando outras fazendas para o luau. Assim na caída da noite todos foram chegando e sentando para ouvir as palavras do velho sábio. Com maestria de conhecedor da verdade ele foi aplicando seu amor transmutando as almas infelizes sem a pátria amada. Um sonho que não voltou atrás. Agora o Brasil era a sua pátria definitiva.

Duzentos anos se passaram e muitos ainda estão por aí. Uns reencarnaram e outros desencarnaram, outros ainda estão escravizados nos umbrais (Anodai) da vida esperando a redenção.

E ela ainda continua na mesma condição de sua existência no Brasil colonial.

Salve Deus!

Adjunto Apurê

An-Selmo Rá

14.02.2021

Seja bem-vindo ao vale dos deuses!