Foi uma negociação sem problemas.
Este espirito veio lá da terra dos coronéis, dos imperadores que desde aquela época escravizavam os povos inferiores. Bahia divisa com Pernambuco, de uma fazenda muito antiga que mantinha a produção de açúcar.
_ Coronelzinho! Eu vim vos pedir para interceder junto aos negros velhos que foram surrados, acorrentados e presos em suas senzalas! Aqueles que fugiram pelas matas e foram caçados como animais, mortos pela minha incompreensão! Eu era somente um instrumento para manter todos cativos!
_ Salve Deus!
Naquele momento meu sangue gelou. Eu não sabia se falava ou nem sei o que mais pensar. Foi esta madrugada, após esta missão que tive com a natureza humana. Ele veio de longe me procurando e me encontrou aqui no sul do Brasil. Eu fiquei querendo saber porque ele veio, se lá no Nordeste há muitos templos que poderiam abreviar a sua dor.
_ Eu conheci alguns lugares como este que você mantém aqui, só que a minha consciência não me deixava em paz! Eu tinha divida a ser paga e só poderia ser na sua presença! Você somente poderia interceder com autoridade que tinha com os escravos!
_ Salve Deus!
Este homem do mato era um mestiço que foi dado a ele uma oportunidade de se livrar do trabalho na fazenda. Ainda com seu chicote na cintura, camisa rasgada pelos espinhos do cerrado, veio pedindo água da vida eterna.
Foi uma negociação fácil, porque ele já havia passado pelo amanhecer em um templo lá pertinho. Já tinha ouvido falar em perdão, em amor, em compreensão. Só que ele não aceitava ir embora porque tinha dividas comigo. Foi numa incursão que fora emboscado pelos escravos que haviam fugido de madrugada. Foi uma coisa horripilante a sua morte com facões e foices dilacerando seu corpo. Aquele espirito saiu dali urrando de dor e revoltado, porque ele era o capitão das matas e conhecia todos os segredos da natureza a sua volta. Ele não aceitava esta morte.
Fomos conversando e aos poucos ele foi se conhecendo melhor. Eu também fui me conhecendo com esta passagem. Fiquei ouvindo suas palavras e dando a maior atenção para este espirito. Era parte de mim, era minha dívida. Eu já libertei com a permissão de Pai João de Enoque aquela família de 60 escravos que foram mortos simplesmente porque desobedeceram a uma ordem. Hoje eu vejo que o arrependimento pode mudar o caminho de qualquer pessoa, desde é claro que ela tenha aprendido a lição de sua evolução.
Quando ele chegou aqui em casa, 6 horas da manhã, eu estava tomando café quando um vulto cruzou a cozinha da pia para a janela. Naquele instante me arrepiei inteiro, fiquei com as pernas geladas. Tomei café e tão logo fui me deitar mais um pouco, foi aí que ele veio na minha individualidade. Aproveitando quando o espírito sai do físico ele cruzou por mim e já foi falando sem delongas.
A libertação de um espírito se dá pela sua origem. Muitos aceitam ir sem esperar o confronto final com suas vitimas ou algozes, mas outros querem um ultimo contato para terem paz em seus corações. Vejam que este capitão não queria seguir sem antes falar comigo. Ele ouviu muitas conversas neste templo e começou a distinguir as energias sobre quem era quem. Sei que muitos leem minhas mensagens e comentam e acho que foi em um comentário deste que ele me achou.
Vejam como se forma as sintonias, as estradas espirituais, ou caminhos de reencontros. Pela vibração, jaguares, pela emissão da energia que se desloca do físico para o espiritual. Por isso que muitas vezes devemos fechar a boca para não nos condenar com as nossas próprias palavras.
A sabedoria dos grandes iniciados. Vejam que eles não falam muito para não quebrar o seu enigma, seu segredo. Se caso eles falassem tudo vocês ficariam doidos, porque seus plexos não estão preparados para tantos acontecimentos. As informações estão vindo conforme a sua evolução vai seguindo.
Conversamos, eu e o capitão, só nós dois. Era isso que ele esperava, uma abreviação ao seu sofrimento. Aqueles negros mortos vão perdoar porque até eu fui perdoado por eles. Foi este capitão que falou ao pé do ouvido do coronel sobre a reunião dos escravos na senzala. Foi ali que tudo começou, as mortes e as tragédias.
Hoje eu vejo a minha dificuldade com os povos que perderam suas encarnações por atitudes insanas do poder. Um poder cruel e insensível com a dor do próximo. Hoje o poder se tornou amor, mesmo sendo julgado e criticado pelos demais que pereceram na ponta da espada e do facão. Eu aceitei a minha dor como prova de recuperação. Estou renascendo para a verdade e só Jesus pode abreviar este passado.
Digo aqui, meus irmãos, não brinquem de poder, porque ele tem duas incógnitas, viver ou morrer. Ou se vive para a eternidade ou se morre em dois planos. A escolha é de cada um, simples como respirar. Por isso Tia Neiva sempre me pediu a simplicidade, nunca dominar pelo poder de sua condição.
Livre como os pássaros que voam sem medo da escuridão. E assim este homem foi levado pela espiritualidade para o mundo das razões.
Salve Deus!
Adjunto Apurê
An-Selmo Rá
19.05.2021